O Texto a seguir faz parte de um exercício narrativo feito por Adem Ibrovic que consistia em contar a mesma história de Voz da Mata, mas com abordagem própria.
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A noite começava a cair. Os últimos raios de sol ainda reluziam na copa das árvores enquanto a escuridão se aprofundava no interior da trilha. Os dois amigos decidiram que era hora de começar a voltar antes que a penumbra se tornasse breu e se perdessem pelo caminho. Nestas ocasiões Pedro costumava sempre andar com sua lanterna e alguns equipamentos básicos de trilha, mas naquele dia tudo havia sido decidido de última hora e por isso estavam completamente desprevenidos. Além da falta de qualquer equipamento de orientação, ainda vestiam trajes incômodos para uma caminhada naquele tipo de terreno. Calças jeans, tênis de solado gasto e a inusitada camisa pólo de Marcos compunham o visual dos dois trilheiros casuais.
- Pronto! Começo a não distinguir raízes de pedras, e não vejo um palmo a minha frente! – reclamava Marcos enquanto desciam pela encosta.
- Você só sabe reclamar? – a pergunta de Pedro foi seguida por um som abafado e algumas pedras rolando. Ao olhar para trás, lá estava Marcos caído no chão com braços e pernas abertos sobre a terra.
- Marcos!!! Está tudo bem? –
- Sim, está tudo “ótimo”! Só me estirei no chão para ver o que você iria dizer... – respondeu Marcos, usando o sarcasmo que lhe era bastante característico.
- Oras, então levante-se daí e vamos andando porque não há tempo para este tipo de brincadeiras! – completou Pedro, quase que estendendo o sarcasmo do amigo para um nível muito próximo do irritante.
A caminhada seguia, ao passo que a preocupação de ambos aumentava. A trilha, que costumava ser bastante movimentada por caminhantes indo e vindo, estava agora completamente deserta e os sons de pássaros diurnos silenciavam aos poucos para dar lugar ao barulho de grilos e cigarras. Naquele momento, todos os caminhos pareciam iguais e os dois amigos travavam um silêncio perturbador na expectativa de qual deles diria primeiro o que já era óbvio: Estavam perdidos. Na cabeça de Pedro tudo se resolveria se continuassem descendo, afinal, enquanto houvesse caminho para baixo, estariam ao menos na direção da estrada onde a trilha tinha início. Mas durante a descida, Pedro olhava à sua volta com a estranha sensação de que já haviam passado por aquele lugar.
- Merda! Acho que estamos andando em círculos... –
- Silêncio... – sussurrou Marcos, interrompendo imediatamente o amigo. – Está ouvindo isso? Preste atenção... –
Passaram-se alguns segundos até que Pedro pudesse distinguir algumas vozes em meio aos barulhos da noite. – Tem alguém falando... E vem daquela direção. - Enquanto ele apontava com uma mão, ia abrindo caminho em meio aos arbustos com a outra e avançava na direção das vozes. Marcos não estava com um bom pressentimento sobre aquilo, mas era melhor seguir Pedro do que ficar sozinho no meio da mata e naquela escuridão. - Pelo menos vá devagar. Não sabemos o que está acontecendo... –
Cuidadosamente os garotos se aproximavam de uma pequena encosta onde a mata não era tão densa. Abaixaram-se atrás de um monte de terra e observaram ao longe algumas luzes que se mexiam freneticamente, como lanternas balançando na escuridão. As vozes continuavam e, embora ainda não pudessem distinguir o que era dito, percebiam que se tratava de uma discussão acalorada. – Vamos embora daqui! – Marcos tentava convencer Pedro, como se pressentisse que aquele era um ponto sem volta.
Pedro estava completamente tomado pela curiosidade, ou talvez algum tipo de senso de “destino”, que não o fazia nem ao menos considerar a hipótese de retornar sem descobrir o que estava acontecendo ali. Estavam tão perto, as luzes pareciam oscilar a uns vinte ou trinta metros à frente. O problema agora, é que ao sair de trás do monte de terra onde estavam abaixados, ficariam completamente expostos na vegetação baixa e qualquer rápido movimento daquelas luzes revelaria imediatamente a posição de suas silhuetas.
- Vamos pelas laterais. – Sugeriu Pedro.
- Como assim? Nos separar? Está louco Pedro!!! –
Não foi preciso muita discussão para que a decisão fosse tomada. Um estampido agudo irrompeu o ar e silenciou os dois amigos, que se entreolharam ao mesmo tempo. Pedro, tomado pelo impulso do momento e já antevendo o que teria acontecido, correu na direção do barulho. – Isto foi um tiro! – Marcos, pouco antes de acompanhar o amigo, teve tempo apenas de pensar: - Ótimo, ouvimos um tiro e qual a coisa mais inteligente que conseguimos fazer? Corremos na direção de onde ele veio. Excelente Pedro... Excelente. –
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Chegaram rapidamente ao local de onde antes vinham as vozes. Agora tudo estava calmo e silencioso. Pedro localizou de pronto a fonte das luzes que viram: três lanternas, ainda ligadas, jogadas no chão. Um pouco mais adiante, na borda da clareira, dois corpos sem vida deitados sobre uma lona quadrada e voltados com o rosto para baixo. Mesmo sob os protestos de Marcos, Pedro se aproximou dos corpos. Carregava nas mãos uma das lanternas que havia encontrado e parecia estar absorto em pensamentos distantes. O amigo gritava do outro lado da clareira, mas era como se ele não pudesse ouvir uma palavra. Abaixou ao lado da lona e virou um dos corpos para cima. O choque foi tão grande que Pedro retomou, imediatamente, o controle sobre seus pensamentos. No chão, deitado bem à sua frente e com uma perfuração de bala na cabeça, estava “ele mesmo”. O corpo ao lado era o de Marcos. – Meu Deus, somos nós! – Entre tropeços e quedas os dois correram sem olhar para trás, deixando naquela clareira mais do que corpos e lanternas, deixaram também parte de sua sanidade.
Chegaram à base da montanha pouco tempo depois, com lágrimas no rosto e várias escoriações pelo corpo. Mas havia algo ainda mais estranho por vir. Ao olharem para o alto da montanha, vislumbraram uma cena impossível de se explicar com palavras. O mais próximo que conseguiram chegar do que viram foi um breve relato postado, dias depois, em seus blogs, onde descreviam o que viram como uma enorme mancha escura pairando no céu sobre a montanha... Uma mancha mais negra que a própria noite.
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