Luís era um rapaz comum. Não despertava qualquer interesse da parte de ninguém. Não era feio e nem bonito; possuía uma inteligência mediana e talentos razoáveis - tocava músicas no violão e escrevia poemas de qualidade duvidosa. Sua opinião era sempre conciliatória e as palavras, brandas. O rosto era de uma conformidade sorridente, com a boca pendente e pálpebras descaídas. Era difícil que alguém lembrasse dele nas conversas, pois não lhe admiravam ou tinham repulsa - era simplesmente esquecido. Compensava, contudo, a falta de personalidade com uma bondade extrema. Envolvido nas atividades religiosas, alimentava uma fé absoluta e explicava cada acontecimento da vida como sendo fruto da vontade suprema de Deus - o fracasso que carregava feito estigma nas costas servia de provação.
Talvez fosse mesmo uma provação sua trajetória lamentável no colégio, agravada pela associação à uma pobre alma indolente que achou por bem nomear de 'namorada'. Eram felizes, apesar de tudo: compunham o corpo musical da igreja, faziam alguma caridade, pregavam em voz langorosa, pontuando com jargões de motivação; tinham sonhos pouco ambiciosos, viajavam para perto, viam novela juntos e dormiam cedo - ela queria ser pedagoga e educar criancinhas; ele arrumava empreitadas e economizava para enfim casarem e consumarem seu amor.
O andar mal-ajambrado, o acúmulo de gordura precipitando-se sobre a fivela do cinto, a transpiração excessiva e a gaforina davam-lhe um aspecto um tanto acabado. No fundo, Luís não pensava em sua própria condição; estava sempre agradecido, sempre resignado. Se lhe tinham alguma opinião adversa, ignorava, pois pensava que era, acima de tudo, obrigação disfarçar qualquer julgamento mau em relação a outrem. Esforçava-se por sopitar o sentimento ruim que fosse, crendo incorrer em pecado mortal, assistido de perto pela Providência vingativa. Amava ao próximo, sim, amava forçosamente! E cria sinceramente que todos lhe devotavam a mesma compaixão. As más línguas, pelo contrário, balbuciavam: fracassado! - E assim descia a rua, divagando numa filosofia inócua, alternando com uma lista mental de afazeres e preocupações, quando reparou na figura conhecida que vinha na direção oposta.
-Luís, que surpresa revê-lo! Há quanto tempo, não? Acho que oito anos... - enquanto seu interlocutor falava, Luís pôde vislumbrar melhor, a partir da forma do rapaz adiante e de suas palavras, que o destino não lhe fora muito generoso: seu colega tinha se desenvolvido, ficado mais alto, adquirido um corpo esbelto combinado a uma beleza sutil - ah, eu me formei em Direito, estou trabalhando em um dos maiores escritórios da capital... Conheci uma moça lá e nos casamos - Luís percebeu algo estranho dentro de si; algo acompanhado de uma palpitação crescente que parecia tomar, pouco a pouco, os seus membros, provocando certa confusão interior: suas vistas adquiriram expressão, suas sobrancelhas arquearam, os dentes superiores roçaram nos inferiores, suas mãos tremeram por instantes, um rubor subiu-lhe à face. Nunca experimentara aquilo, não com tanta emoção; a ponta da lança rasgou-lhe a carne e o líquido, em franca ebulição, entornou, ganhando as veias, os órgãos e cada célula - a inveja genuína chegava ao paroxismo e um segundo bastou para incorporar o anátema do condenado pela tal Providência, talvez, representando, no interior, cada títere grotesco que fazia parte de sua história. Foi quando desejou a morte daquele homem, imaginando algo bem sórdido, bem cruel que fizesse esboroar todo aquele sucesso - E aí repetiu para si:
-Tomara que morra! - Despediu-se do colega com uma falsa simpatia e a frase continuou a reverberar na cabeça: - tomara que morra! Tomara que morra! - Em seguida, penitenciou-se amargamente, mas era tarde: um estrondo ressoou; o rapaz jazia no chão - a inveja ali nasceu e deu seu último suspiro.
2 comentários:
Porra! Que boca é essa desse cara! uahuahuahUHAUHAUHA...Não quero nunca conhecê-lo.
Nossa!Que poder!Se todo mundo tivesse este poder ,não ia sobrar ninguém vivo pra contar a estória!A inveja ronda por toda parte!rsrs...Bacana teu conto!
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