Dizer de Machado de Assis que era pessimista é pura retórica. Talvez porque buscasse entender a alma humana acima de todas as suas demandas - e reconhecia sua irremediável miséria. Provavelmente, será esta a sensação que o leitor terá nas páginas de O Alienista, onde um cientista procura pesquisar os males psíquicos que assolam os habitantes de Itaguaí, na virada do século XVIII para o XIX. Com muito humor, carregado, porém, de certa melancolia, Machado demonstra que o discurso racional nem sempre está associado aos métodos ortodoxos, antes feito de paliativo, valendo-se das prerrogativas da própria ciência para contraditoriamente prender pessoas sãs, as quais nada apresentavam de evidentemente anormal, e cuja conclusão é algo irônica. No fundo, nada passava de um ponto de vista de Simão Bacamarte, aquele quem dá título à obra; homem que gozava do respeito e admiração locais, mas que acaba provocando reações adversas da população. Humor com melancolia significa rir da frágil condição dos seres; rir um riso triste dos que pensam deter todo o conhecimento, mas que em verdade não entendem de nada. Antes: mesmo com o pouco adquirido, não percebem o extenso caminho a percorrer; ou ainda: a impossibilidade de percorrê-lo.
E quantos alienistas não vemos atualmente? Quantos daqueles que nos dizem o que devemos comer, vestir e pensar? Frequentemente, médicos, psicólogos, pedagogos, advogados, administradores aparecem para interpretar a sociedade, indicar os novos rumos, entender o comportamento, o modo correto de agir. Não logramos abandonar o discurso civilizatório - e mais: padronizador, higienizante, condenatório - dentro de uma perspectiva racional, defendendo que isto, e não aquilo, é o melhor para todos. Se é administrador, como se deve portar-se em entrevistas, fazer um currículo e a que geração pertence; se é médico, a refeição mais saudável ou o exercício para não morrer logo; se é psicólogo, a atitude da pessoa que pode possuir algum transtorno que a deixe louca; se é advogado, a lei que pune quem não andar corretamente; se é pedagogo, como pais e professores devem domesticar suas crianças. Reitero: o discurso civilizatório é padronizante, higienizador e condenatório. Padrozinante, pois entende que todos são iguais e devem agir da mesma maneira; higienizador porque pretende identificar as enfermidades e curá-las, mesmo onde elas não existam; e condenatório quando estimula a perseguição através das leis.
Mas é possível que a sociedade seja civilizada desta maneira? Há alguma fórmula que possa prever os desequilíbrios da mente ou do organismo; do pai, do patrão ou do professor? Alguma fórmula qual seja para que possamos desfrutar da tecnologia dentro da devida moral? Ou será que os cientistas de nosso tempo não sabem que as leis, os compêndios, os remédios são insuficientes para tratar do caso dos seres humanos? Pois bem, sairemos sempre como alienistas, acreditando nesta fórmula, trancafiando a todos que parecerem destoar, que parecerem loucos; não somos capazes de enxergar a nossa diferença, a nossa particularidade, a nossa individualidade, intens a que o modelo não comporta. Somos alienistas alienados, os quais no fim descobrem que quem deveria estar internado no hospício éramos nós!
Um comentário:
Perfeita a sua colocação,realmente brilhante,muito sóbria,crítica,precisa,inteligente e dissecante da condição humana,mas antes de tudo devemos diagnosticar e indentifar nosso próprio alienista interior que se manifesta no julgamento das mínimas coisas do cotidiano da convivência social, preconceituoso e perverso que fazemos a cada instante e barganhar com ele,saber conte-lo,afinal esta sociedade 'padronizante',como muito bem colocado, se compõe em sua totalidade, de milhares de indivíduos com seus milhares de comportamentos constantes,reinterados,rotineiros e padronizantes.Devemos reeducar-nos a incentivar e encorajar(cada um de nós,para afastar qualquer possibilidade de hipocrisia) atitudes,idéias, pensamentos e pontos de vista não convencionais ao invés de censura-los e ridiculariza-los.
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