Amélia é que era mulher de verdade - diziam; de fato, era moça, cabelos negros, pele alva, lindos olhos esmeraldinos, mediana, fresca, odor de rosas... Linda! Além de tudo era inocente. E sua inocência cativava. Se velha, pela candura e bondade; se amiga, pela atenção e deferência; se família, pelo respeito e devoção; se homem, pela beleza e ancas largas que fariam qualquer um fartar-se. Apetitosa! - Afirmariam antigamente - gostosa! - Diriam certamente nos dias de hoje.
Amélia sonhava. Sonhava com um príncipe que lhe fizesse muito feliz. E ia aos poemas com certa volúpia, imaginando que um daqueles amores poderia estar guardado para si. Lia romances e se via resgatada, de toda maldade e todo o tédio, por um cavalo branco que a levaria ao castelo dos suspiros. Escrevia em seu diário, anotava a espera, contava os minutos e mirava a paisagem pela janela, apoiando a cabeça na mão direita, correndo os olhos pelos transeuntes, assistindo ao sol poente e depois, a lua majestosa! E ali, arfando da saudade de algo que não viveu, sentia poder rebentar de paixão por alguém que não existia. Caso se encontrasse sozinha, permitia correrem-lhe as lágrimas, as quais iam molhar a fronha de mais uma noite solitária.
Todavia, dentre as reviravoltas da vida, surge o Dimas. Rapaz bonito, alto e de personalidade. Era desejado em segredo por muitas jovens do bairro; e invejado, talvez, por muitos outros que lhe tinham na conta de cafajeste - afinal, ainda que um canastrão de marca maior, Dimas saía com a mulher que quisesse. Certa feita, seus olhares se encontraram e Amélia sentiu palpitar-se inteira. Teve até um pouco de vertigem e mal pôde balbuciar um cumprimento quando Dimas veio falar-lhe. Foi em uma festa. Dali a alguns dias estavam namorando. Amélia escrevia seus versos, fazia desenhos de rodapé, vivia o amor em cada gesto como uma princesa encantada. Dedicava ao Dimas seus pensamentos, sua respiração e sua existência. Primeiros amores são assim: crê-se no enlace sempiterno, na sobrevivência e na eternidade do namoro. Uma breve nota, porém, deve ser observada: os pais da menina não aprovavam, mas ainda assim o recebiam em casa. Para ela, o fato da desaprovação emprestava um ar trágico a que todo o amor deve prosternar-se. Ou não seria amor. Na cabeça dela funcionava assim: amores impossíveis, fugas repentinas, sacrifícios são todos ingrediente de romance e felicidade. E temia, temia que ele morresse, temia ver-se separada de Dimas, temia não realizar todo o platonismo que, para Amélia, ganhava o clamor de um fetiche.
Dimas, então, em um desses encontros tórridos e proibidos - no banco detrás ou na sombra da árvore; queria ir com Amélia às vias de fato. E tanto fez, tanto insistiu, que ela cedeu e armaram tudo para não perder o clandestino, o mistério. A fantasia de Amélia mistificou a união dos corpos, a comunhão que os tornaria unos, que sacramentaria o sentimento, mesmo que, em seu íntimo, achasse que deveria antes casar-se. Entregaria-se e quase não podia conter-se por isso!
Dimas pegou um carro emprestado, buscou-a às oito e só parou próximo da rodoviária, em uma rua pouco iluminada e frequentada por tipos estranhos. O hotel ficava ao lado: construção baixa, de três pavimentos, parecendo exceder em idade devido a sua decadência. Dimas e Amélia subiram as escadas escuras e chegaram no andar do quarto: uma porta empenada abria-se para um cubículo que cheirava a mofo. Havia infiltrações pelas paredes, um colchonete, uma lâmpada pendurada por um fio e insetos, muitos insetos. A moça não esperava por aquilo, não era aquilo que ela havia imaginado. Dimas acendeu um cigarro e foi tirando a roupa; em seguida, forcejou por tirar a dela. Depois de alguma insistência, ambos enfim deitaram e ele pediu que ela fizesse coisas imundas, além de gritar um palavriado baixo e tentar agredi-la. Nua após o ato, deixou-o deitado de lado e foi banhar-se. Não havia tábua no retrete; um cano fazia jorrar a água gélida sobre ela e um sabãozinho de coco serviu-lhe para lavar a intimidade cheia de sangue.
O romantismo de Amélia morreu naquele quarto barato de um hotel ordinário, nos braços de um homem cuja vontade era destruir-lhe a pureza... nada mais...
2 comentários:
Como devem existir Amélias nesse mundo sonhando coisas impossíveis.
Amélia criou anticorpos! Cometeu um erro que destruiu seu mundo cor de rosa. Melhor assim do que se tivesse casado virgem e se sentisse obrigada por sua moral a viver para sempre com um traste como esse...
Postar um comentário