quarta-feira, 11 de maio de 2011

Goethe e a Cruz

E temos mais um convidado: Goethe trazendo um trecho de Os Sofrimentos do Jovem Werther.

***
Johann Wolfgang Von Goethe (1749-1832)

''Faz parte do destino humano cada um de nós carregar a sua cruz  e beber o fel de seu cálice até a última gota. Se mesmo o Filho de Deus considerou o cálice demasiadamente amargo para Seus lábios humanos, por que devo fingir, considerando-o agradável? E por que deveria envergonhar-me, no terrível momento em que todo meu ser oscila entre a vida e a morte, quando o passado ressurge como um relâmpago alumiando o abismo sombrio do futuro, e tudo desmorona em torno de mim, e o mundo inteiro parece se extinguir? Não é esta a voz de uma criatura angustiada, já sem forças, a quem uma atração irresistível arrasta para o precipício e, em um último esforço, grita: 'Meu Deus, meu Deus, por que me abandonou?' Deveria me envergonhar dessas palavras, se Ele próprio não receou em pronunciá-las, Ele, que reina sobre os céus?''

   Atualmente, talvez pela moda ou autopreservação, as pessoas têm comercializado as receitas de Felicidade ainda mais do que nunca. É forçoso observar que o gênero humano apresenta aspectos muito cruéis, algo infinitamente explorado pelos meios de comunicação, o que faz com que se busque um caminho que fabrique sonhos, que permita acreditar que a realidade pode ser diferente. Basta um olhar sobre a História, contudo, para perceber que esta mesma realidade, não obstante os laivos de esperança, que porventura ofereça uma época, sempre foi marcada por aquela referida crueldade: seja em guerras, perseguições, genocídios, intrigas, assassinatos, etc. É como se nós não pudéssemos nos libertar de características intrínsecas que lembram a todo momento que somos animais. E quando não parte da ação dos homens, é efeito da própria vida: misteriosa, incompreensível e, para muitos, injusta.
   A sociedade tenta afastar a infelicidade, a dor, a fatalidade e a morte. Mesmo que uma leva experimente a solidão e o vazio; que se veja vítima irremediável de doenças ou perdas; que deseje algo impossível; que se depare com a fragilidade do corpo diante do fim; há a necessidade de erguer painéis fantásticos, remendando a existência com imagens de alegria, de igualdade, de amor. O mal deve ser extirpado a qualquer custo; escondido, encarcerado, longe das vistas, em uma medida desesperada de cobrir o espelho e seu reflexo horrível. O que prevalece são as cândidas sensações que nos trazem os livros de mensagens boas, os filmes com final feliz, as terapias, a religião e tantos outros veículos que, assim unidos, vendem a Felicidade. Nada mais falso! E com isso, ela, a sociedade, adoece. Afinal, nem todos logram o destino desejado. Muitos são detidos no caminho e, tardiamente, descobrem que, ao contrário do que dizem, não temos compromisso algum com a Felicidade.
   Então, por que desprezar aqueles que verdadeiramente sofrem? Aqueles que não podem se superar? Aqueles que não podem se reerguer, que não vêem vantagem na miséria, no abandono, na agressão involuntária contra seu corpo e sua alma? Aqueles que jamais terão suas vontades realizadas? Pois há coisas que, nem o Estado e nem Deus, são capazes de remediar. ''Meu Deus, meu Deus, por que me abandonou?'' Por que somos tão ínfimos e tão suscetíveis?  Por que permanecemos nadando contra esta maré que rouba as nossas forças? Não seria mais fácil reconhecer a nossa incapacidade? Que não somos divinos, porém fracos? Apenas recordamos da ressurreição, todavia esquecemos da cruz!

Um comentário:

Anna Cecilia disse...

Realista o texto. Mete o dedo na ferida... Gostei! Pode ser considerado por alguns pessimista porque as pessoas acham realidade sinônimo de pessimismo muitas vezes...

Em relação a religião, o Espiritismo não promete um final feliz... Pelo contrário nos mostra que temos vícios e que acabaremos no umbral até conseguirmos nos desfazer deles e pedirmos socorro quando tivermos verdadeiramente arrependidos... A única certeza deixada pela doutrina é que existe um mundo espiritual em que vc irá aprender e trabalhar muito... para muitos isso pode não ser um final feliz...

Uma dúvida - vc virou ateu ou agnóstico?