segunda-feira, 6 de setembro de 2010

Missiva

Caro Lord B***,


   Como estão os ares de Worcestershire? As cousas por aqui andam bem. Aproxima-se a hora de escolhermos a nossa liderança. Sim, ainda que não possamos apontar nosso regente, e que no Senado se ocupe uma nova cadeira quando da morte de algum de seus membros, há eleições indiretas, como bem o sabes, que elegem a representação parlamentar. Não sei que herança maldita nos legou a colônia a ponto de manter na política condição terrível para sua sustentação neste país. Sim, porque ora confunde-se o espaço público com o bem privado. Há um ranço secular que permite que as grandes fortunas prevaleçam, se não com sua própria voz, por via de terceiros. É muito comum ver um fazendeiro casar sua filha com um bacharel para ver-se representado na câmara. Está claro que o bacharel em questão receberá todas as benesses políticas para garantir a fatia do oligarca. A política, portanto, se orienta desta maneira: estabelece-se, com o povo, uma relação de clientelismo, se assim posso chamar, onde toma-se uma medida paliativa em troca do voto. Um chafariz ou uma ruela pavimentada pode comprar três ou quatro cadeiras na Câmara. E, no caso da recusa do voto, há outros tantos meios de persuadir o eleitor: o voto ou a vida. Cada fazenda tem sua pequena guarda. Ela é que é responsável pelo serviço menor: o de dar cabo da vida do infeliz que resolver descumprir uma ordem. Ficaste pasmado? Ora, teu país já viveu dias assim, não? Teus barões não pressionaram o rei para assinar a tal Magna Carta? Nós também temos cá nossos barões que pressionam nosso rei constantemente. Pensando bem, nosso mal não vem da colônia, vem é de tempos mais antigos, pois não? O que se vê aqui é a permanência de um passado que já há muito deveria estar morto. Porém, infelizmente não conseguimos superá-lo. Ou por pusilanimidade do povo ou pela mentalidade imortal que ultrapassa as instituições e prevalece na política, ressuscitando sempre no terceiro dia! Veio o Rei de Portugal, tomou D. Pedro a espada da Independência, virá ainda a República e o fantasma está aí a nos assombrar. E nem é aconselhável chamar um padre para exorcizá-lo. Até os religiosos se imiscuem na promiscuidade política. E eles têm métodos ainda mais persuasivos que os oligarcas. Isto porque a religião é uma instituição milenar e perene. Uma pobre alma não quer ver-se condenada às chamas do inferno. Para não padecer do espírito, acata ao que é dito no púlpito. Que aliança torpe se estabelece! O incauto vota pela força da alma e da arma. Até que ponto, pergunto eu, não temos responsabilidade sobre isso? Eles governam com o nosso consentimento, dentro de um pacto social. E será que o povo estaria preparado para um novo regime? E qual regime seria este? Pode-se substituir um tirano por outro, venha ele de baixo ou de cima. E aí volta tudo como era antes: oligarcas no lugar de oligarcas, bispos no lugar de bispos. Acho que o mal está no gênero humano, sabe? A política será política em qualquer tempo. Sempre haverá quem quer comer mais que os outros. Sempre haverá aquele que, por força da palavra e do estilo, prevalecerá sobre os gênios mais fracos. “O homem é o lobo do homem”, não é mesmo? Melhor seria que caísse fogo e enxofre do céu para exterminar a raça humana. Tão logo estivesse Sodoma destruída, voltaríamos ao estágio de inocência Natural.



Cordiais lembranças,



B. M.

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