segunda-feira, 7 de março de 2011

Entrevista com uma Socialite

Entrevistador: -estamos aqui com a socialite Lucinha Lafourd, que acaba de voltar de Nova York onde apresentou um desfile da sua mais nova grife. E aí, Lucinha, o que está achando da recepção aqui no Copacabana Palace?

Socialite: -estou achando tudo maravilhoso, a festa está linda; só estou estranhando um pouquinho o calor do Rio de Janeiro. Sabe como é, em Nova York faz um frio nessa época do ano!

Entrevistador: -e como foi apresentar a nova coleção de sua grife nos Estados Unidos?

Socialite: -ah, foi maravilhoso. Você sabe que eu não modelo mais, né? Meu marido tinha ciúme de mim na passarela. Aí resolvi montar essa grife e chamei vários modelos e estilistas para me prestigiarem. Agora, nós estamos querendo abrir uma filial em Londres, Paris, Milão e, quem sabe? Aqui no Rio.

Entrevistador: -parece que você superou muito bem a morte de seu marido, Pierre Lafourd...

Socialite: -ah, Pierre era maravilhoso. Morreu com noventa e três anos, acredita? Ninguém dizia, meu amor, Pierre era inteiraço! Nosso amor era verdadeiro porque não via idade; nossas almas eram jovens, isso que importava.

Entrevistador: -para quem não sabe, Pierre era dono de uma das maiores cadeias de hotéis do mundo e, curiosamente, não tinha filial no Brasil.

Socialite: -ah, mas já tem previsão para abrir uma em Ilhéus, se não me engano. Uma rede indiana quer comprar e prometeu abrir uma filial aqui.

Entrevistador: -você vai posar nua novamente?

Socialite: -como é que você sabe disso? Ah, me fizeram uma proposta, eu estou estudando com meu empresário; me chamaram também para ser Rainha de Bateria. Mas agora só estou interessada em lançar o meu cd; se Deus quiser, até novembro sai.

Entrevistador: -mas essa mulher tem alma de artista, depois de lançar um livro, agora um cd também?

Socialite: -a arte é maravilhosa, gente. Aquele meu livro vendeu feito água; era um romance que se passava na Europa e no meio tinha uns roteiros gastronômicos, umas dicas de hotéis. Eu quis unir o útil ao agradável, sabe? E tudo bem baratinho para as pessoas sem recursos poderem aproveitar também, né? Afinal, quem não gosta de viajar? E a Europa é logo ali!

Entrevistador: -a renda foi para a sua ong, né?

Socialite: -foi, e a renda do novo cd também vai. Inclusive, eu fiz um leilão, antes de viajar, em prol dessa ong que visa recolher da Zona Sul as pessoas em situação de rua. Porque todas elas estão na linha de risco, né? E a ong tem um espaço bom, um espaço onde essas pessoas poderão encontrar dignidade! Ao invés de deixá-los usando drogas, assaltando, a ong recolhe e leva para lá! Não é maravilhoso?

Entrevistador: -e o que a ong oferece?

Socialite: -lá tem cursos de etiqueta, línguas e em breve teremos corte e costura. Não basta dar o peixe, gente, tem que ensinar a pescar, e com esses cursos, eles terão os instrumentos necessários para arranjar uma profissão. Olha, se vocês quiserem visitar, nosso espaço fica em Sepetiba... As pessoas se queixam da distância, mas de táxi é rapidinho! Passem lá, estamos precisando de doações.

Entrevistador: -é de iniciativas como essa que o país precisa para melhorar!

Socialite: -é, sim! E o último governo fez um bem enorme a essa população com uma obra, que eu não chamaria nem de social, mas de caridade. Quando que a esquerda faria isso, gente? Impensável, né? Todo mundo dizia que comunista comia criancinha e olha aí, quer atitude mais cristã? Nada contra as outras religiões, gente! Foi maravilhoso, agora só voto com eles!

Entrevistador: -e agora, você já tem um novo destino para viajar?

Socialite: -amanhã embarco para Paris, meu amor, preciso renovar meu guarda-roupa! Esse calor do Brasil faz a gente suar e aí estraga minhas fazendas. Fora que Paris, nessa época do ano, é ma-ra-vi-lho-sa!

quarta-feira, 2 de março de 2011

Capitalismo Selvagem II

Na última mensagem que deixei aqui, aventurei-me a falar sobre o Sistema Capitalista. Está claro que é um tema inesgotável e que jamais caberia em um mero 'post'; aliás, é tema que mal caberia no espaço de um livro, devido aos seus múltiplos aspectos. A minha intenção foi a de abordar determinados pontos que me têm causado um certo incômodo e o fiz de forma sucinta e pouco explicativa; 'joguei no ar' como dizem. Portanto, gostaria de esmiuçar algumas coisas, o que ainda não será de modo satisfatório.

***

1- Digo que sou pessimista por não crer que uma só ideologia dê conta de abarcar e transformar um processo histórico plenamente, alterando o sistema de modo satisfatório. Ideologias são frágeis, permeáveis e mudam ao sabor do momento; são incapazes de alterar um estado essencial da natureza humana. Pois, por mais que tenhamos o status de civilizados, jamais deixaremos de ser animais. Afinal, a nossa compreensão dos direitos humanos não superou um dado universal: a violência entre os povos é algo latente, existe desde que o mundo é mundo.
2- Apesar de ser cristão, tenho severas críticas ao Cristianismo; ao me ver, a mentalidade tacanha da sociedade ocidental se deve em parte à sua cultura religiosa. Talvez, o que ora vá dizer tenha mais a ver com o catolicismo: o discurso de humildade, subserviência e compaixão tornou o nosso pensamento medíocre, nos estagnou, nos fez hipócritas. Afinal, por que é ilícito reconhecer suas próprias qualidades, enriquecer, ambicionar, desejar algo grandioso e não se contentar com pouco? Por que temos sempre que nos justificar como se pedíssemos perdão? Por que não podemos dizer o que realmente pensamos e escamoteamos qualquer reação adversa para ser politicamente corretos?  Jesus expulsou os vendilhões do templo, mas nós só lembramos de dar a outra face!
3- Ainda sobre a mentalidade cristã: as situações que provocam a comoção alheia, movimentam a sociedade em favor daqueles que sofreram prejuízos; pois bem, o Cristianismo, em todas as suas vertentes, prega a caridade e a compaixão, mas não há nada pior do que isso. Entenda-me: não há sentimento que nos torne mais superiores do que a compaixão, e não há ato que nos distancie mais do próximo do que a caridade. O indivíduo faz doações para pessoas que ele nem conhece, acreditando que cumpre um dever perante Deus e esquece-se de atuar no seu cotidiano como uma pessoa de bem. Jogar moedas no gazofiláceo, para fazerem bastante barulho e outros perceberem o tamanho da obra, é uma prática corrente. Todavia, ao invés de mandar um casaco roto através de terceiros a alguém desconhecido, deveríamos ser solidários - e não caridosos - com aqueles que estão ao nosso lado. Não quero dizer que sejamos indiferentes, mas objetivos quanto à real mudança que podemos proporcionar. De que adianta me preocupar com a fome, no outro lado do oceano, se os meus vizinhos sofrem? Por isso eu não acredito quando o empresário fulano, ou o artista beltrano, aparece na televisão para mostrar o grande favor que fez à sociedade com tais e quais projetos.
4- Afirmar que a sociedade é extremamente desigual é lugar-comum. Ela sempre foi e sempre será; já o disse, sou pessimista. Uma camada, que se diga minoria, exije seus direitos, mas com a devida punição daqueles que os violarem; ou seja, não há garantias de acesso à cidadania que desfaça a discriminação, a desigualdade, porque há sempre um ponto de vista, há sempre um referencial cultural, há sempre um desejo de punir, há sempre uma perspectiva maior e melhor em detrimento de outra - há sempre um oposto, um mal a ser combatido! Não adiantam os presidentes negros, mulheres, operários, são todos seres humanos, falhos e insígnes. Não adiantam a Justiça e a mídia que se quer combativa; elas estão sempre construíndo novos valores e perseguindo, ainda que sutilmente, quem não concorde, condenando previamente quem pense diferente ou mesmo quem deu um mal-passo, como se ninguém pudesse errar. E aí todos se calam, porque é feio dizer que a coleguinha é gorda, que detesta animais, que não gosta de pobre, que o outro teve uma conduta repreensível, etc, etc... O desejável é ser hipócrita, é julgar, mas afirmar que não o faz; é ser desigual, é alimentar um sistema com a suprema ignorância que nos torna cegos à crítica das nossas próprias práticas; é se matar na academia e nunca ter o corpo perfeito; é querer copiar o cabelo e o nariz da protagonista; é se trancafiar em casa com os animais e colocar-lhes roupa e nome de gente; é achar que cair de bêbado e beijar oito pessoas de sexos diferentes na mesma noite é ser de vanguarda; é se furtar do contato pessoal, dos laços sociais; e, sobretudo, é enriquecer os terapeutas porque nos sentimos extramente solitários em um mundo sem valores!
5- Inaugurou-se uma nova ditadura da bem-aventurança: as pessoas precisam ser felizes. E a que preço? A Felicidade plena é uma utopia e não foram poucos aqueles que já defenderam essa idéia. Talvez pelo fato de jamais conseguirmos aproveitar um instante que seja de Felicidade. E como poderíamos? A vida é regida pelos números, pelas estatísticas, pela alta do mercado; agora as grandes empresas valorizam a criatividade, a versatilidade de um profissional robótico que, feito rato, corre em uma roldana para produzir cada vez mais e, quando esgota-se - entenda-se: quando envelhece - é mandado embora. Os administradores, os economistas e as infelizes do RH vivem fazendo recomendações de como se deve ou não compor o currículo, de como se deve ou não se portar em entrevistas, de como se deve anular a personalidade de alguém para que seja bem-sucedido profissionalmente. Quem permite que eles falem? Quem lhes deu ouvidos? Quem sabe não são os mesmos que se convencem com as propagandas que vendem a Felicidade; que compram livros de auto-ajuda porque são feios e desempregados e nunca logram um lugar embaixo do Sol que ilumina o alto executivo e o galã da novela? Quem lhes disse que é essa a verdadeira Felicidade?
6- A sociedade está mais alienada a cada dia, e eu me incluo nela. Não perseguimos a instrução, não buscamos ampliar nossos horizontes. Lemos uma Literatura comercial, não estamos acostumados a refletir. Vivemos em constante medo e pedimos o auxílio do malfadado  Leviatã. Imitamos, pois não temos personalidade para reinventar. Adotamos a opinião do grupo para não destoar. Não acreditamos em nada porque não há nada em que se acreditar. Bebemos muito, perdemos os sentidos, imergimos na fantasia enganosa dos aditivos para não vermos a realidade. Rogamos pela paz e subsidiamos a violência. Somos extramente contraditórios. Queremos ser o chefe da matilha, queremos ser selecionados e continuar vivendo na ilusão de que somos os mais inteligentes animais.