quarta-feira, 2 de março de 2011

Capitalismo Selvagem II

Na última mensagem que deixei aqui, aventurei-me a falar sobre o Sistema Capitalista. Está claro que é um tema inesgotável e que jamais caberia em um mero 'post'; aliás, é tema que mal caberia no espaço de um livro, devido aos seus múltiplos aspectos. A minha intenção foi a de abordar determinados pontos que me têm causado um certo incômodo e o fiz de forma sucinta e pouco explicativa; 'joguei no ar' como dizem. Portanto, gostaria de esmiuçar algumas coisas, o que ainda não será de modo satisfatório.

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1- Digo que sou pessimista por não crer que uma só ideologia dê conta de abarcar e transformar um processo histórico plenamente, alterando o sistema de modo satisfatório. Ideologias são frágeis, permeáveis e mudam ao sabor do momento; são incapazes de alterar um estado essencial da natureza humana. Pois, por mais que tenhamos o status de civilizados, jamais deixaremos de ser animais. Afinal, a nossa compreensão dos direitos humanos não superou um dado universal: a violência entre os povos é algo latente, existe desde que o mundo é mundo.
2- Apesar de ser cristão, tenho severas críticas ao Cristianismo; ao me ver, a mentalidade tacanha da sociedade ocidental se deve em parte à sua cultura religiosa. Talvez, o que ora vá dizer tenha mais a ver com o catolicismo: o discurso de humildade, subserviência e compaixão tornou o nosso pensamento medíocre, nos estagnou, nos fez hipócritas. Afinal, por que é ilícito reconhecer suas próprias qualidades, enriquecer, ambicionar, desejar algo grandioso e não se contentar com pouco? Por que temos sempre que nos justificar como se pedíssemos perdão? Por que não podemos dizer o que realmente pensamos e escamoteamos qualquer reação adversa para ser politicamente corretos?  Jesus expulsou os vendilhões do templo, mas nós só lembramos de dar a outra face!
3- Ainda sobre a mentalidade cristã: as situações que provocam a comoção alheia, movimentam a sociedade em favor daqueles que sofreram prejuízos; pois bem, o Cristianismo, em todas as suas vertentes, prega a caridade e a compaixão, mas não há nada pior do que isso. Entenda-me: não há sentimento que nos torne mais superiores do que a compaixão, e não há ato que nos distancie mais do próximo do que a caridade. O indivíduo faz doações para pessoas que ele nem conhece, acreditando que cumpre um dever perante Deus e esquece-se de atuar no seu cotidiano como uma pessoa de bem. Jogar moedas no gazofiláceo, para fazerem bastante barulho e outros perceberem o tamanho da obra, é uma prática corrente. Todavia, ao invés de mandar um casaco roto através de terceiros a alguém desconhecido, deveríamos ser solidários - e não caridosos - com aqueles que estão ao nosso lado. Não quero dizer que sejamos indiferentes, mas objetivos quanto à real mudança que podemos proporcionar. De que adianta me preocupar com a fome, no outro lado do oceano, se os meus vizinhos sofrem? Por isso eu não acredito quando o empresário fulano, ou o artista beltrano, aparece na televisão para mostrar o grande favor que fez à sociedade com tais e quais projetos.
4- Afirmar que a sociedade é extremamente desigual é lugar-comum. Ela sempre foi e sempre será; já o disse, sou pessimista. Uma camada, que se diga minoria, exije seus direitos, mas com a devida punição daqueles que os violarem; ou seja, não há garantias de acesso à cidadania que desfaça a discriminação, a desigualdade, porque há sempre um ponto de vista, há sempre um referencial cultural, há sempre um desejo de punir, há sempre uma perspectiva maior e melhor em detrimento de outra - há sempre um oposto, um mal a ser combatido! Não adiantam os presidentes negros, mulheres, operários, são todos seres humanos, falhos e insígnes. Não adiantam a Justiça e a mídia que se quer combativa; elas estão sempre construíndo novos valores e perseguindo, ainda que sutilmente, quem não concorde, condenando previamente quem pense diferente ou mesmo quem deu um mal-passo, como se ninguém pudesse errar. E aí todos se calam, porque é feio dizer que a coleguinha é gorda, que detesta animais, que não gosta de pobre, que o outro teve uma conduta repreensível, etc, etc... O desejável é ser hipócrita, é julgar, mas afirmar que não o faz; é ser desigual, é alimentar um sistema com a suprema ignorância que nos torna cegos à crítica das nossas próprias práticas; é se matar na academia e nunca ter o corpo perfeito; é querer copiar o cabelo e o nariz da protagonista; é se trancafiar em casa com os animais e colocar-lhes roupa e nome de gente; é achar que cair de bêbado e beijar oito pessoas de sexos diferentes na mesma noite é ser de vanguarda; é se furtar do contato pessoal, dos laços sociais; e, sobretudo, é enriquecer os terapeutas porque nos sentimos extramente solitários em um mundo sem valores!
5- Inaugurou-se uma nova ditadura da bem-aventurança: as pessoas precisam ser felizes. E a que preço? A Felicidade plena é uma utopia e não foram poucos aqueles que já defenderam essa idéia. Talvez pelo fato de jamais conseguirmos aproveitar um instante que seja de Felicidade. E como poderíamos? A vida é regida pelos números, pelas estatísticas, pela alta do mercado; agora as grandes empresas valorizam a criatividade, a versatilidade de um profissional robótico que, feito rato, corre em uma roldana para produzir cada vez mais e, quando esgota-se - entenda-se: quando envelhece - é mandado embora. Os administradores, os economistas e as infelizes do RH vivem fazendo recomendações de como se deve ou não compor o currículo, de como se deve ou não se portar em entrevistas, de como se deve anular a personalidade de alguém para que seja bem-sucedido profissionalmente. Quem permite que eles falem? Quem lhes deu ouvidos? Quem sabe não são os mesmos que se convencem com as propagandas que vendem a Felicidade; que compram livros de auto-ajuda porque são feios e desempregados e nunca logram um lugar embaixo do Sol que ilumina o alto executivo e o galã da novela? Quem lhes disse que é essa a verdadeira Felicidade?
6- A sociedade está mais alienada a cada dia, e eu me incluo nela. Não perseguimos a instrução, não buscamos ampliar nossos horizontes. Lemos uma Literatura comercial, não estamos acostumados a refletir. Vivemos em constante medo e pedimos o auxílio do malfadado  Leviatã. Imitamos, pois não temos personalidade para reinventar. Adotamos a opinião do grupo para não destoar. Não acreditamos em nada porque não há nada em que se acreditar. Bebemos muito, perdemos os sentidos, imergimos na fantasia enganosa dos aditivos para não vermos a realidade. Rogamos pela paz e subsidiamos a violência. Somos extramente contraditórios. Queremos ser o chefe da matilha, queremos ser selecionados e continuar vivendo na ilusão de que somos os mais inteligentes animais.

4 comentários:

R-E-N-A-T-O disse...

Mais uma vez, muito bom. Parabéns.

Anna Cecilia disse...

Adorei o texto!
Achei legal vc falar da subjetividade do que é felicidade. Me lembrei que o Senado aprovou que o direito a busca a felicidade seja incluído na nossa constituição...
Para mim isso é demagogia. É só pra depois o sen. Cristóvão Buarque poder dizer na campanha polítia que´é um dos parlamentares mais atuantes, que propôs X projetos de lei...
Quem quiser saber mais ai o link
http://www.estadao.com.br/noticias/nacional,ccj-do-senado-aprova-a-pec-da-felicidade,637879,0.htm

Anna Cecilia disse...

Continuo sendo feliz chamando minha cachorra Luna de filha. Coloco roupinha nela só no inverno, mas ela sempre rasga. Minha mãe fica com raiva, mas eu entendo a natureza canina dela. A trato assim porque sei que ela é um cachorro. Se fosse criança certamente não teria paciência... RS

Anna Cecilia disse...

Mais uma para vc que adora falar sobre o capitalismo selvagem. Lucrar com a desgraça alheia.
Com o terremoto, o Japão terá que comprar energia, minério de ferro e muitas outras coisas dos outros países. Você não acha que esses produtos irão aumentar? Lembra que os produtos ficaram superfaturados durante a tragédia da região serrana...