quinta-feira, 30 de setembro de 2010

Personalidade do Mês de Setembro

Karl Marx (1818-1883)

   Karl Heinrich Marx foi um intelectual alemão, conhecido por influenciar, com suas idéias, os campos da História, Economia, Filosofia e Teoria Política. Lançou as bases do Comunismo quando, junto com Friedrich Engels, publicou um Manifesto no ano de  1848. É do Manifesto do Partido Comunista o trecho a seguir:

''A burguesia despojou de sua aura todas as atividades até então consideradas com respeito e temor religioso. Transformou o médico, o jurista, o padre, o poeta, o homem de ciência, em assalariados por ela remunerados. A burguesia rasgou o véu de emoção e de sentimentalidade das relações familiares e reduziu-as a mera relação monetária.''

  Mesmo não sendo um entusiasta de Marx, acredito que este trecho observa um traço marcante da sociedade atual. Vivemos em um Sistema Capitalista profundamente competitivo e desigual, de sorte que, até mesmo as relações interpessoais, por obra do próprio interesse econômico, são corrompidas de alguma maneira. Bem, não há aí nenhuma novidade. O consumismo desenfreado fomentado pela mídia, incentivado pelo Estado, faz com que as pessoas busquem um ideal de felicidade completamente falso; faz crescer a competitividade e a desigualdade, tal como foi dito. A 'relação monetária' materializou-se na barganha entre pais e filhos; 'o véu de emoção' rasgou-se em função de bens materiais que uma boa educação não pode comprar. Profissões como a do médico e do professor, quando não são desvalorizadas, rendem-se ao favor do capital feito moeda de troca - escolhe-se esta ou aquela profissão em razão de seu retorno financeiro. Ou explora-se a boa fé alheia vendendo-se a cura, o ensinamento e o perdão. E por trás de tudo está o consumo, o consumo da tecnologia, da estética e do entretenimento, proporcionando uma cegueira absoluta diante do lucro absurdo de poucos. O mais desejável, a meu ver, é a instrução - não a que se recebe no colégio, mas cuja busca é individual - e instrução não se come e não se veste. Portanto, de tudo o mais que se pode extrair deste trecho, fica a compreensão de que, se a burguesia expolia o quanto pode é porque nós não tomamos a iniciativa de refrear todo o mal que se inicia no consumismo, seja ele em grande ou pequena escala; compactuamos com o bem-estar sugerido sem perceber que o Sistema está muito mais introjetado em nossas vidas do que imaginamos!

quarta-feira, 15 de setembro de 2010

Zazá Pinga-Fogo

   Lá vem Zazá, descendo a ladeira, para postar-se feito cão fiel na porta do bar e pedir, logo de manhã cedinho, um fiado da 'branquinha'. Começava assim: uma dose pequena de cachaça, alguns copinhos de cerveja, depois de novo a pinga, talvez um vinho e, em dias gordos, conhaque. Ninguém dizia daquela pobre velha que bebesse; e bebia, bebia muito! Tinha boca murcha e o rosto cheio de vincos; uma saia de pregas bem rota, um casaquinho puído de lã, gaforina grisalha, sandálias de couro rasteiras e um chapeuzinho encardido - parecia o diabo quando vinha lépida para tomar a cana. Seus olhinhos pequenos ganhavam algo de vivacidade quando afogueados e rubros de tanto álcool na fuça! Se passava dos sessenta, Zazá não lembrava; mal lembrava do nome e atendia somente pelo apelido - do Pinga-Fogo não gostava, ralhava com toda a gente má que lhe dera essa alcunha.
   Difícil enxotá-la do boteco. Ali ficava até fechar. Cantava, dançava, gritava e insistia em contar passagens de sua vida - falava sem parar. Cuspia de lado, dava uma quebrada e no fim do dia já estava toda urinada. A boca pequena vinha com a de que ''xixi de Zazá faz um carro andar'' e ainda: ''não risquem fósforo perto dela, vai tudo pelos ares!'' - o repertório não tinha fim. Zazá pouco se importava, caía na porta e dormia um sono profundo, esperando pelo dia seguinte para entornar mais.
   Da sua família pouco havia notícia, muito menos de seu passado e o motivo que a fizera entrar nessa vida. Era casada com um velho e não tinha filhos. De vez em quando iam juntos à missa. E quando o padre pedia que erguessem chaves da casa, carro ou carteiras de trabalho para receberem bençãos, Zazá levantava a garrafa: ''aguardente benta é bem melhor!'' - ria um riso podre. Se preparasse comida, colocava umas gotinhas da pinga, fosse no tempero do feijão ou na calda do doce. Cambaleava, cambaleava, tropeçava aqui, tombava ali, pedia mais um gole, fumava um cigarro e fazia um barulho com a boca que assustava toda a gente. O marido a chamava carinhosamente de ''ovelhinha'' porque acordava balindo, pedindo 'mé'!
  Certo dia, Zazá chegou no bar, como de costume, pediu a bebida de hábito, comeu pão com carne assada, fumou uns quatro maços, falou o mais que pôde, gargalhou, rodopiou no batuque improvisado, xingou a mãe de quem passasse e deitou-se na sarjeta por fim. Metade do corpo na calçada, a cabeça pendendo no asfalto - ficou ali por três dias até perceberem que Zazá não levantaria mais...

segunda-feira, 6 de setembro de 2010

Missiva

Caro Lord B***,


   Como estão os ares de Worcestershire? As cousas por aqui andam bem. Aproxima-se a hora de escolhermos a nossa liderança. Sim, ainda que não possamos apontar nosso regente, e que no Senado se ocupe uma nova cadeira quando da morte de algum de seus membros, há eleições indiretas, como bem o sabes, que elegem a representação parlamentar. Não sei que herança maldita nos legou a colônia a ponto de manter na política condição terrível para sua sustentação neste país. Sim, porque ora confunde-se o espaço público com o bem privado. Há um ranço secular que permite que as grandes fortunas prevaleçam, se não com sua própria voz, por via de terceiros. É muito comum ver um fazendeiro casar sua filha com um bacharel para ver-se representado na câmara. Está claro que o bacharel em questão receberá todas as benesses políticas para garantir a fatia do oligarca. A política, portanto, se orienta desta maneira: estabelece-se, com o povo, uma relação de clientelismo, se assim posso chamar, onde toma-se uma medida paliativa em troca do voto. Um chafariz ou uma ruela pavimentada pode comprar três ou quatro cadeiras na Câmara. E, no caso da recusa do voto, há outros tantos meios de persuadir o eleitor: o voto ou a vida. Cada fazenda tem sua pequena guarda. Ela é que é responsável pelo serviço menor: o de dar cabo da vida do infeliz que resolver descumprir uma ordem. Ficaste pasmado? Ora, teu país já viveu dias assim, não? Teus barões não pressionaram o rei para assinar a tal Magna Carta? Nós também temos cá nossos barões que pressionam nosso rei constantemente. Pensando bem, nosso mal não vem da colônia, vem é de tempos mais antigos, pois não? O que se vê aqui é a permanência de um passado que já há muito deveria estar morto. Porém, infelizmente não conseguimos superá-lo. Ou por pusilanimidade do povo ou pela mentalidade imortal que ultrapassa as instituições e prevalece na política, ressuscitando sempre no terceiro dia! Veio o Rei de Portugal, tomou D. Pedro a espada da Independência, virá ainda a República e o fantasma está aí a nos assombrar. E nem é aconselhável chamar um padre para exorcizá-lo. Até os religiosos se imiscuem na promiscuidade política. E eles têm métodos ainda mais persuasivos que os oligarcas. Isto porque a religião é uma instituição milenar e perene. Uma pobre alma não quer ver-se condenada às chamas do inferno. Para não padecer do espírito, acata ao que é dito no púlpito. Que aliança torpe se estabelece! O incauto vota pela força da alma e da arma. Até que ponto, pergunto eu, não temos responsabilidade sobre isso? Eles governam com o nosso consentimento, dentro de um pacto social. E será que o povo estaria preparado para um novo regime? E qual regime seria este? Pode-se substituir um tirano por outro, venha ele de baixo ou de cima. E aí volta tudo como era antes: oligarcas no lugar de oligarcas, bispos no lugar de bispos. Acho que o mal está no gênero humano, sabe? A política será política em qualquer tempo. Sempre haverá quem quer comer mais que os outros. Sempre haverá aquele que, por força da palavra e do estilo, prevalecerá sobre os gênios mais fracos. “O homem é o lobo do homem”, não é mesmo? Melhor seria que caísse fogo e enxofre do céu para exterminar a raça humana. Tão logo estivesse Sodoma destruída, voltaríamos ao estágio de inocência Natural.



Cordiais lembranças,



B. M.