quarta-feira, 15 de setembro de 2010

Zazá Pinga-Fogo

   Lá vem Zazá, descendo a ladeira, para postar-se feito cão fiel na porta do bar e pedir, logo de manhã cedinho, um fiado da 'branquinha'. Começava assim: uma dose pequena de cachaça, alguns copinhos de cerveja, depois de novo a pinga, talvez um vinho e, em dias gordos, conhaque. Ninguém dizia daquela pobre velha que bebesse; e bebia, bebia muito! Tinha boca murcha e o rosto cheio de vincos; uma saia de pregas bem rota, um casaquinho puído de lã, gaforina grisalha, sandálias de couro rasteiras e um chapeuzinho encardido - parecia o diabo quando vinha lépida para tomar a cana. Seus olhinhos pequenos ganhavam algo de vivacidade quando afogueados e rubros de tanto álcool na fuça! Se passava dos sessenta, Zazá não lembrava; mal lembrava do nome e atendia somente pelo apelido - do Pinga-Fogo não gostava, ralhava com toda a gente má que lhe dera essa alcunha.
   Difícil enxotá-la do boteco. Ali ficava até fechar. Cantava, dançava, gritava e insistia em contar passagens de sua vida - falava sem parar. Cuspia de lado, dava uma quebrada e no fim do dia já estava toda urinada. A boca pequena vinha com a de que ''xixi de Zazá faz um carro andar'' e ainda: ''não risquem fósforo perto dela, vai tudo pelos ares!'' - o repertório não tinha fim. Zazá pouco se importava, caía na porta e dormia um sono profundo, esperando pelo dia seguinte para entornar mais.
   Da sua família pouco havia notícia, muito menos de seu passado e o motivo que a fizera entrar nessa vida. Era casada com um velho e não tinha filhos. De vez em quando iam juntos à missa. E quando o padre pedia que erguessem chaves da casa, carro ou carteiras de trabalho para receberem bençãos, Zazá levantava a garrafa: ''aguardente benta é bem melhor!'' - ria um riso podre. Se preparasse comida, colocava umas gotinhas da pinga, fosse no tempero do feijão ou na calda do doce. Cambaleava, cambaleava, tropeçava aqui, tombava ali, pedia mais um gole, fumava um cigarro e fazia um barulho com a boca que assustava toda a gente. O marido a chamava carinhosamente de ''ovelhinha'' porque acordava balindo, pedindo 'mé'!
  Certo dia, Zazá chegou no bar, como de costume, pediu a bebida de hábito, comeu pão com carne assada, fumou uns quatro maços, falou o mais que pôde, gargalhou, rodopiou no batuque improvisado, xingou a mãe de quem passasse e deitou-se na sarjeta por fim. Metade do corpo na calçada, a cabeça pendendo no asfalto - ficou ali por três dias até perceberem que Zazá não levantaria mais...

Um comentário:

R-E-N-A-T-O disse...

Poxa, achei que ao dormir com a cabeça no asfalto alguém passaria com o carro sobre sua cabeça. Mas morreu de morte natural. Esperava de você um fim mais trágico. hahaha
Abraços! Muito bom o conto.