segunda-feira, 23 de maio de 2011

Poe e a Esperança

Finalmente, Poe chegou para a festa!
***
Edgar Allan Poe (1809-1849)

O Dia Mais Feliz

I
''O dia mais feliz, a hora mais doce,
conheceu-os a minha alma desolada.
De orgulho e poderio, a mais ousada
esperança (bem sinto) consumou-se.
II
De poderio? Assim pensei! Mas, ai,
toda esperança é já desvanecida!
Visões do florescer de minha vida,
pobres visões, mortas visões passai!
III
E tu, orgulho, que tenho ainda contigo?
Teu veneno herde uma outra fronte incalma
onde, sutil, se instile esse inimigo.
Que possa ao menos descansar minha alma.
IV
O dia mais feliz, a hora mais doce
que meus olhos já viram ou verão,
de orgulho e poderio a aspiração
mais luminosa, tudo (eu sei) finou-se.
V
Mas se a esperança fosse dada, ainda,
de orgulho e poderio, com a mesma fria
dor que outrora senti, não quereria
nunca mais reviver essa hora linda.
VI
Pois negro era o feitiço de sua asa
espalmada, a esvoaçar, onde caía
potente essência destruidora, em brasa,
por sobre a alma que bem a conhecia.''

   O mito da caixa de Pandora, conhecida mais ou menos de todos, diz-nos que, após cada mazela, salvar-nos-ia a Esperança, único bem que dá sentido à vida dos seres humanos. Uma vida que, mesmo condicionada aos ditames do destino, trágico e desabrido, oferece uma resolução que traz alívio; a certeza de que nem tudo está perdido, de que vale a pena viver. Porém, a sorte que ora nos cabe pode ser acompanhada de algum revés. Ou melhor, sempre é acompanhada de algum revés!
   Esperança, Esperança, já diz seu nome que é consolo de quem espera; voa como pássaro por sobre nós e traz, escondido entre as penas, o 'feitiço de sua asa espalmada'. Antes não ter o seu flerte, dar cada passo sem colocar-lhe o peso da expectativa; a ânsia da volta; a espera sem fim. Pois cada minuto é uma eternidade para quem espera - ainda mais quando nunca chega!
   Esperança estava na nova casa erguida pelo homem que, vendo-a destruída pela chuva, desejou ter sido levado junto com as águas. Esperança estava em um mísero frango assado, dividido por mendigos, quando uma pedra se soltou do barranco e esmagou um deles. Nunca se pode ter certeza da chuva que cairá ou da pedra que rolará - vem a sorte e leva embora todas as Esperanças. Então cabe a pergunta: é assim algo tão salutar, que nos move e adianta, que dá sentido a tudo o que fazemos, não obstante a constante ameaça de a tudo perder nos dados ou na roleta? Não alçamos maior desgosto a não ver nada correspondido, ao depositarmos confianças, porquanto o desejável é dar sem pensar no retorno? E nós poderíamos nos livrar desta tal Esperança? Quem sabe tudo não se resuma nisso: aproveitar da casa ou do frango enquanto eles não são tirados de nós?


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