quarta-feira, 25 de maio de 2011

Proust e Dionísio

Eis que surge o Proust também, No Caminho de Swann!
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Marcel Proust (1871-1922)

''Porém, por mais que eu ficasse respirando diante dos espinheiros-alvares, mostrando a meu pensamento que não sabia o que fazer com ele, a perder e a reencontrar, seu aroma fixo e invisível, unindo-me ao ritmo que as suas flores lançavam aqui e ali com uma alegria juvenil e a intervalos imprevistos como certos intervalos musicais, eles ofertavam-me indefinidamente o mesmo charme com uma profusão inesgotável, mas sem me deixar todavia aprofundá-lo mais, como as melodias que tocamos cem vezes seguidas sem escavar mais a fundo o seu segredo.''

  Este pequeno trecho me fez recordar a leitura recente de Nietzsche por um simples detalhe: a obra de Proust, que eu arriscaria chamar de Impressionista, pois que me faz visualizar cada quadro pintado em profusão de cores, a imaginar como seria a Combray de sua época; em breve passagem, evidencia sua união com a imagem vislumbrada, em torvelinho de sentimentos e inspirações que lhe emprestava a Natureza; ao modo de um homem dionisíaco - nas palavras do filósofo: ''Agora, graças ao evangelho da harmonia universal, cada qual se sente não só unificado, conciliado, fundido com seu próximo, mas um só, como se o véu de Maia tivesse sido rasgado e, reduzido a tiras, esvoaçasse ante ao misterioso Uno-primordial.''
   Tal é a prerrogativa da arte: tornar-se um com o objeto; experimentá-lo, vivenciá-lo, incorporá-lo de maneira a representar, mesmo que numa quase totalidade, até que ponto ele toca. Proust, rememorando sua infância, compõe uma obra sinestésica, que empresta ao leitor os odores e os sabores de cores variadas; permitindo que o olhar retorne para sua própria vida, mudando de perspectiva e abrindo os sentidos para ampla percepção. Ainda que o intento do artista não seja este, mas criticar, despertar, criar novos mundos, enternecer; ele deve partir de si, do objeto que lhe é familiar; deve se revelar, colocar suas questões, seu pensamento, se fundir ao 'misterioso Uno-primordial' de sua arte. Escrever livros, por exemplo, acerca de temas alheios, termina em páginas retóricas e sem fundamento.
   Neste tocante, vemos aí pessoas que se intitulam artistas aos borbotões. Confundem o termo com celebridade. Ou mais: há aqueles que submetem a sua produção ao jugo do mercado e a tudo fazem por encomenda - ou ao gosto do grande público. Devido a isso, vemos brotar cantores de uma música só, escritores e seus 'best-sellers', modelos que viram atores, todos para serem consumidos em dado tempo, explorados pela mídia e descartados. Muitos ganham seu quinhão; alguns logram a fama e a arte vai enfeitar prateleiras, às quais recorrem os chamados intelectuais, que pagam para afetar qualquer tipo de cultura picaresca de almanaque e não passarem por ignorantes.
   Também existe uma outra classe de 'artista' que se julga muito talentosa. São aqueles que escrevem poesias sem rima e critério; são pintores de quadros abstratos; são dançarinos contemporâneos; são esses novos cantores que só valem pela melodia de suas canções, quando a letra é um fracasso. Ora, os meios de comunicação em massa transformaram estas categorias na ponta de lança, na vanguarda, em franca contradição com as celebridades de ocasião que tentam promover - no fundo, são tudo uma coisa só: pro-du-to. E, que fique claro, produto a ser consumido, pois não vale investir naquilo que não dá retorno financeiro! Fazer rabiscos em uma tela; rolar no chão e sacudir os braços; combinar porta com amor e contar histórias de bruxinhos até uma criança faz melhor!
    A arte tem a função de conduzir, primeiramente o que a compõe, depois o expectador, à comunhão com aquele Uno-primordial; ela deve se fazer enxergar no cotidiano; deve participar, não obstante a mensagem que traga, da vida de cada um.

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