sexta-feira, 25 de junho de 2010

Evidência

   Enquanto dirigia o Opala na direção da Zona Norte, o investigador Moraes era interrogado pelo Freitas, um de seus homens: -mas isso é o quê? - Moraes dava mostras de amofinação.
-Eu só quero saber mais detalhes sobre o caso - respondia o Freitas.
-E qual parte você não entendeu ainda?
-Bem, ela saiu do centro comercial acompanhada do namorado naquela noite...
-Ex-namorado, ex...
-Certo, ex-namorado. Se era ex, o que eles estavam fazendo juntos?
-Ele disse que queria conversar com ela para tentar reatar. Jurou arrependimento pelas grosserias e ameaças...
-Aí ela saiu no carro dele...
-No dela, eles saíram no carro dela. Eles se encontraram em um centro comercial, conversaram em uma lanchonete e depois foram até o estacionamento e entraram no carro dela...
-Entendi. E depois disso ela não foi mais vista?
-Não até que acharam o carro e o corpo no fundo de um rio a trinta quilômetros da cidade.
-Então, se ele fazia ameaças a ela, inconformado com a separação, deve ter fingido arrependimento como pretexto para matá-la.
-É o que todos dizem por ele ser o principal suspeito. As únicas filmagens analisadas foram as do centro comercial que os mostra na lanchonete e no estacionamento. Mas não conseguiram levantar outras provas além destas. Eles se encontraram na noite do crime e só!
-Há ligações feitas do celular dele para o dela?
-Há sim! Só conseguimos esta evidência com a apreensão do celular dele. O dela desapareceu. Nem os mergulhadores da polícia encontraram. Ele ligou antes, talvez para marcar o encontro.
-Mas há uma outra coisa bem estranha: como ele conseguiu convencê-la a ir àquele local, próximo ao rio, afastado da capital?
-Difícil de responder, e eu acredito que da parte dele jamais saberemos. E os fatos estranhos não param por aí: como foi que ele saiu de lá já que o carro dele estava na oficina como alegado? Naquele ponto não passa ônibus ou qualquer tipo de transporte. Ele teria que andar bastante para chegar em uma rodovia e aí sim tentar voltar - Moraes parecia estar perto de alguma nova evidência - em breve confirmarei minhas suspeitas.
-Suspeitas? Quais?
-Acalme-se. Bem, estamos chegando, olhe o endereço, é aqui, não é?
-É sim, é aquela casa rosa ali.
   O Opala parou em frente a uma casa térrea, de muro alto e portão de madeira. A rua residencial parecia tranquila. Ao longe se via os prédios da região central. Moraes tocou a campainha e um cachorro começou a latir. Após alguns minutos, uma bonita moça veio atender. Ela olhou para Moraes, homem corpulento, aparentando já ter passado dos quarenta; e para Freitas, baixo e franzino, mal chegado aos trinta - fez expressão de surpresa, seguida de desdém.
-Bom dia... Quer dizer, boa tarde porque já é mais de meio-dia! Eu sou o investigador Moraes e esse é o Freitas. Viemos aqui dar uma palavrinha com a senhora - disse enxugando a testa com um lenço.
-Ah, pois não. Pensei que fossem da imprensa. Aqueles abutres não deixam a gente em paz! Entrem por favor! - a moça, de cabelos negros e compridos, lábios finos, olhos grandes, magra e mediana, os conduziu ao interior - os senhores aceitam uma água, um café?
-Um cafezinho ia bem! - respondeu o Freitas.
-Antes, porém, queríamos fazer algumas perguntas sobre a morte de sua irmã - cortou Moraes - a senhora saberia me dizer o porquê dela atender ao chamado do ex-namorado para encontrá-la na lanchonete...
-Como o senhor sabe que ela era minha irmã? - Interrompeu assustada.
-Minha senhora, eu sou investigador. Ademais, seu rosto apareceu em vários jornais pelas entrevistas que deu...
-Ah sim, é verdade. O senhor deve entender, minha cabeça... Enfim. O ex-namorado da minha irmã era um homem violento. No início do namoro, ele parecia um cavalheiro, mas depois teve crises de ciúmes... Ele era grosseiro com ela... Chegou a bater em minha irmã. Foi por isso que ela quis terminar tudo... Mas ela ainda o amava. Acho que teve esperança que ele mudasse, sei lá! Eu disse a ela que não fosse encontrá-lo... Eu disse!
-A senhora sabia que os dois haviam voltado a se encontrar bem antes? Que eles haviam reatado, mas que ela escondeu esse fato da família?
-Como é?
-É isso mesmo. Foram encontradas ligações feitas do celular de sua irmã para o dele, além de mensagens que os dois trocaram poucos dias antes do assassinato.
-Impossível! Ela dizia que... Eles estavam separados bem uns três meses! - A moça pareceu aturdida - Desgraçado! Então ele a ludibriou para atrai-la e matá-la! Meu Deus!
-Eles estavam apaixonados. Ao menos era o que diziam as mensagens.
-Não é possível! Não é possível! - Repetia - já deveriam ter prendido esse homem! Ele é um demônio!
-Onde estão seus pais?
-Foram para a casa de uns parentes no interior do estado. Estão muito abalados! Lá, ao menos, ficam longe do assédio dos jornalistas...
-Foram de carro?
-Por que o senhor quer saber disso? O que isso tem a ver com o caso?
-Nada não, me perdoe. E o café?
-Ah sim, eu vou fazer... Já volto. Fiquem à vontade! - Os dois permaneceram sentados na sala. Dali a instantes, um toque no celular fez a moça ressurgir, meio afoita, para atendê-lo - ah, caiu! - disse decepcionada - o café está pronto! - Moraes e Freitas tomaram o café, agradeceram e saíram. Novamente no Opala, retomaram a conversa.
-Moraes, eu não entendi uma coisa: você não disse que o celular da vítima havia desaparecido? Como foi que você pôde afirmar que as mensagens provinham do celular dela?
-Freitas, todos os números foram investigados e eu descobri que muitas das ligações e mensagens provinham de um celular registrado no nome da vítima. Isso é óbvio! A última ligação foi feita minutos antes dos dois se encontrarem e uma mensagem foi gerada do celular dele após os dois terem se separado naquela noite...
-E?
-Ela respondeu à mensagem!
-Isso pode ter sido forjado facilmente. Ele pegou o celular e respondeu a própria mensagem.
-Não. A vítima recebeu uma ligação cinco minutos depois de um número de orelhão. Digo, cinco minutos após ter deixado o suspeito no local indicado, segundo seu depoimento.
-Ah é? E onde fica esse orelhão?
-Próximo de onde trabalha a irmã. A ligação durou três minutos. A vítima atendeu e conversou com a pessoa que ligou...
-Mas então você suspeita que a irmã tenha ligado e conversado com ela? A vítima pode muito bem ter atendido minutos antes de morrer sem saber que...
-Não, você não está entendendo. Quando o celular da irmã tocou, era eu quem ligava. E eu ligava para o número registrado como sendo o da vítima. Ou seja, a irmã ficou com o celular. Mas não era para o celular estar com a vítima no carro? Como foi que o celular parou nas mãos da irmã? A irmã acaso mergulhou, achou o celular e ficou com ele antes mesmo que a polícia o fizesse? Soma-se a isto o meu blefe bem-sucedido acerca do envolvimento velado de ambos, coisa esta a que ela reagiu de modo estranho, não?
-Então você acredita que...
-Veja: depois que a vítima deixou o suspeito, ela recebeu o telefonema da irmã, que trabalha em um local no caminho do rio onde o corpo foi achado. A casa dos tais parentes fica a uns quarenta quilômetros depois. Suponhamos que a irmã, sabendo do encontro dos dois, ligou do orelhão, para não deixar rastro, sugerindo ou combinando com a vítima que fossem até a casa dos parentes, cada uma em seu carro. Na altura do rio, a irmã pára no acostamento e acende o alerta indicando que está com problemas mecânicos. A vítima pára também. Suponhamos que a irmã arranje um meio de fazer a outra desacordar, talvez com éter, prende-a no cinto, fecha o carro e o empurra no rio para que ela se afogue... Foi o que de fato se constatou. Fica com o celular da vítima para não descobrirem a ligação feita por ela e foge em seu carro...
-Foi por isso que você perguntou do carro?
-Sim! Que melhor maneira de esconder uma prova do que a mandando para longe? Aqui, junto com os pais para a casa dos parentes.
-Nossa!
-Essa moça foi muito imprudente. Decerto não pensou que pudessem rastrear o número do orelhão através da operadora. Imaginando não ter deixado pistas, deixou-as mais do que pode imaginar. Ela jamais deveria ter ficado com o celular. O tal rapaz pode ser um homem grosseiro e violento, mas deliberadamente diz a verdade. Quem matou, segundo as minhas deduções, foi a irmã! As circunstâncias deram a ela o álibi perfeito... Quer dizer, não tão perfeito. Mas, jogando a culpa no suspeito mais evidente, esqueceriam-se de investigá-la, pois que era a própria irmã, muito próxima à vítima e, esperava-se, incapaz de cometer um assassinato de alguém da família!
-E por que ela mataria?
-Não sei, mas temo que, se não conseguirmos provas suficientes para incriminá-la, jamais venhamos a saber...

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