quinta-feira, 17 de junho de 2010

Personalidade do Mês de Junho

Joaquim Maria Machado de Assis (1839-1908)

Escolhi Machado de Assis como personalidade de Junho justamente por ser o mês de seu aniversário - coincidentemente no mesmo dia que o meu - e, para homenageá-lo, transcreverei um pequeno trecho da obra 'Quincas Borba' ao qual seguirá breve comentário:

''O dono da sege estava no adro, e tinha fome, muita fome, porque era tarde, e almoçara cedo e pouco. Dali pôde fazer sinal ao cocheiro; este fustigou as mulas para ir buscar o patrão. A sege no meio do caminho achou um obstáculo e derribou-o; esse obstáculo era minha avó. O primeiro ato dessa série de atos foi um movimento de conservação: Humanitas tinha fome. Se em vez de minha avó, fosse um rato ou um cão, é certo que minha avó não morreria, mas o fato era o mesmo; Humanitas precisa comer. Se em vez de um rato ou de um cão, fosse um poeta, Byron ou Gonçalves Dias, diferia o caso no sentido de dar matéria a muitos necrológicos; mas o fundo subsistia. O Universo ainda não parou por lhe faltarem alguns poemas mortos em flor na cabeça de um varão ilustre ou obscuro; mas Humanitas (e isso importa, antes de tudo) Humanitas precisa comer.''¹

Humanitas é um princípio a cujo condicionamento todos o seres estão ligados irremediavelmente. É o reconhecimento tácito de que a Natureza é regida por leis, das quais pouco se lhe dá acharem-nas boas ou más - neste caso, juízo de valor são apenas nomenclaturas. Se o que está em risco é a conservação da vida, valem os meios que estão ao alcance da própria Natureza para mantê-la. Este pequeno trecho encerra uma profunda Filosofia a qual não se visita sem incorrer em superficialidades - está além da compreensão da moral e da ética. Antes de acordarmos a lei da civilização, existia a lei da sobrevivência. Os seres humanos caçaram, se reproduziram através da cópula, fizeram guerra... Desde o ínicio dos tempos até agora. E este invólucro carnal, tão suscetível a fraquezas, submetido a variações orgânicas e intempéries, tão frágil, não pode simplesmente ser subjugado a um pensamento que tenta disfarçar-lhe a situação primordial. Os seres humanos são animais antes de tudo! Está certo que a razão nos difere dos demais seres. Mas pensemos o quanto estamos a mercê desses 'instintos'. E o quanto esta mesma Natureza, materna e sóbria, pode-nos parecer cruel quando nos mostra que a sobrevida de um é a necessária morte de outro. O homem precisava comer. O obstáculo à sua necessidade era a avó. O obstáculo foi removido para que a vida continuasse. E aí interpretemos não como uma morte inócua; observemos que aí há uma transformação, um ciclo. A esta passagem se segue outra célebre que diz 'ao vencedor as batatas' que nada mais é do que o aprofundamento desta imagem tão bem colocada da lei de conservação.

¹Quincas Borba, capítulo VI. 








Um comentário:

Gerivaldo Oliveira disse...

Barão,

Impressionei-me com a qualidade dos seus escritos. Você tem estilo e uma impecável grafia da norma culta de nossa Língua.
Gostei muito de "É possível morrer", a narrativa demonstrou-se interessante, com bom ritmo.

Um Abraço! Vou me tornar seu leitor.