quarta-feira, 26 de maio de 2010

Em Defesa dos Vilões


   Em qualquer trama há o protagonista e o antagonista. O protagonista é o que se costuma chamar de 'mocinho', o personagem principal, de quem se espera atos de bondade e retidão de caráter. Por sua vez, o antagonista é o oposto, o vilão, aquele que não mede esforços para alçar seus objetivos, valendo-se sempre de expedientes ilícitos. Todavia, é ele quem movimenta a trama, sem o qual não haveria história. Enquanto o protagonista encarna todas as qualidades, conquistando a simpatia e o apoio dos outros personagens e do próprio público, o antagonista é a materialização dos sentimentos malévolos, baixos e reprováveis presentes em cada ser. Seus motivos para praticar o mal são diversos: vingança,  cobiça, desejo  pelo poder... E são esses sentimentos que o tornam verdadeiro. Ele tem a função de realizar na fantasia o que não temos coragem e não podemos fazer na vida real. Os vilões são livres para fazer e falar o que querem: xingam, desprezam, pisoteiam, mentem, roubam... Matam! Reiterando o que disse, assumem o lado sombrio existente em todos. Tornam-se símbolos de inteligência, sensualidade e sarcasmo. E dentro da ficção, de um modo geral, são eles eternizados, passando a fazer parte da memória coletiva - perguntem-se quantos personagens bons ainda são lembrados.
   Um dos vilões que merecem destaque é Scar, o leão que tenta matar o irmão e o sobrinho em 'O Rei Leão'. O desenho, com influências Shakespeareanas a meu ver, refinou um dilema tão antigo quanto o homem: a disputa pelo poder. E Scar é cruel: solta as patas de Mufasa, quando este está prestes a cair, dizendo ''longa vida ao rei!''  Simba sobrevive e Scar tem sua punição no final. Aliás, como na maioria das obras de ficção,  o autor deve entregar a cabeça do antagonista aos espectadores - não sem terem tido seus sentimentos convulsionados antes. Outro vilão interessante é Flora, personagem de uma novela veiculada no horário das 21h. Se novela é uma obra respeitável, não discuto. Flora era complexa: queria tudo que sua rival possuía. Mais: queria desesperadamente ser Donatela. Sua inveja e aparente inferioridade foram combustível de várias atrocidades cometidas, despertando, enfim, comiseração sobre sua condição. Sua questão era puramente psicológica: estava presa a uma fantasia psicótica. Falando nisso, Hannibal Lecter rouba a cena em 'O Silêncio dos Inocentes'. Frio e obstinado, de extrema  capacidade intelectual e de persuasão, ajuda Clarice a descobrir o assassino através de um jogo calculado para seu divertimento. Um homem insensível que desperta admiração e uma quase empatia, mesmo sendo um sociopata. Não poderia deixar de mencionar também o Coringa, famoso por ser, talvez, o maior vilão dos quadrinhos. De atitudes alucinadas, risada inconfundível, Coringa é um agente do caos, um louco desprovido de senso e fraquezas diretas que o condenem. A lista de vilões interessantes é imensa!
   Não se trata de fazer-se aqui uma apologia à torpeza, à desumanidade. Trata-se, tão somente, de verificar que a vida em si não nos traz um final feliz, uma solução mágica para nossas demandas, uma resposta cabível aos nossos questionamentos. Trata-se de observar que todos os homens não estão imunes à leviandade, ao julgamento alheio e à culpa. Diante disso, 'mocinhos' sorridentes, generosos, puros a bem dizer, são irreais ou surreais. A raiva, a cobiça, o abandono, a dor, a vontade, a indiferença presentes no cotidiano permitem que personagens instigadores de medo e de rancor que, bem lá no fundinho, fazem que nos identifiquemos de alguma maneira, pareçam genuínos. Vilões com inclinações tão legítimas e que aludem à nossa luta diária contra o mal existente do outro lado da linha e que quase nos convence a ultrapassá-la. Vilões que representam a Natureza Humana.


Imagem: A Aranha Sorridente (1891) - Odilon Redon.
















2 comentários:

R-E-N-A-T-O disse...

Concordo, os vilões são muito melhores que os mocinhos. Personagens complexos e profundos como nenhum protagonista consegue ser. Parabéns.

Anna Cecilia disse...

Penso da mesma forma que vc! Sempre digo isso e os outros me olham com aquela cara de nossa ela é perversa! Ai eu digo Imaginem uma novela só de mocinhos e mocinhas. Ai as pessoas pensam um pouco e dizem que é verdade seria um saco.
A questão é realmente essa: os mocinhos não existem porque a perfeição não existe nos seres humanos. Já os vilões existem! Basta olhar para a violência estampada nos jornais. Além disso,cada um de nós tem pelo menos um defeito que esses vilões tem só que nos obrigamos a oprimi-los em nome da moral e por vivermos em sociedade. Vale lembrar que por serem personagens os vilões são o exagero (o que garante o sucesso!)
PARABÉNS PELO BLOG!