segunda-feira, 31 de maio de 2010

O Bom Cristão

   Pedro Paulo era um bom cristão. Exemplo de homem, nunca foi suscetível aos comentários corruptos e libidinosos que teciam sobre sua pessoa. Amigos lhe ironizavam; mulheres o desejavam. E isso porque mantinha a polidez e a meticulosidade em cada ato. Tudo era pensado de forma a não incorrer em erro - o verdadeiro cristão busca copiar a retidão de caráter! Na sua crença, a índole se formava, não só por sentimentos de amor ao próximo, mas de dever cumprido também. Funcionário exemplar, chegava pontualmente e saía depois do horário; ia direto para casa sem nem mesmo olhar para os lados. Sua mulher o esperava para jantar. Tratava-a com a devida deferência, presenteando-a sempre com um mimo. Suas demonstrações de afeto eram poucas, porém sinceras. Procurava não demonstrar cólera, se irritado, optando pela diplomacia. Sua fala era branda e a compreensão mal lhe cabia. Orava sempre e jamais deixava de ir à igreja cumprir suas obrigações de bom cristão.
   A moeda de César tem duas faces, contudo, e é claro que Pedro Paulo possuía uma dose de exagero. Vestia-se em tons escuros e sóbrios; de terno ou paletó, camisa fechada no pescoço e nos punhos, pernas escondidas nas calças. Obrigava a esposa a se comportar como queria, não permitindo ousadias nos trajes e no vocabulário. Nunca estavam em lugares profanos e em companhia de gente vulgar; evitavam festas e convenções ruidosas. Recolhiam-se cedo após as ladainhas. Não tinham vícios, não liam livros e revistas que não fossem de cunho religioso. Pedro Paulo fazia questão de dar esmolas e envolver-se em eventos caritativos. De maneira que não havia o que se falar dele: nunca o viram em bares e prostíbulos; não o viram jogar ou emprestar a juros; em calças curtas ou mangas de camisa; utilizar palavras de baixo calão ou valer-se de atitudes condenáveis em qualquer situação. Daí o motivo de chacota e inveja, talvez. Pedro Paulo era um santo! Algumas mulheres maldosas tentaram difamar-lhe espalhando que era efeminado por ter-lhes recusado encontros mais íntimos. Pedro Paulo era fiel!
   Soma-se a isso seu gesto estudado: cada palavra, cada movimento. Temia a vigilância do Senhor e as chamas do Inferno. E se havia oportunidade, falava da obra de Deus. Só não podia se valer de um passado inglório de onde a conversão o viesse tirar. Não havia mácula em sua história de vida. E disso se orgulhava intimamente. Antes que perguntem, porque é natural a curiosidade sobre isso, Pedro Paulo não tocava a esposa. Salvo duas vezes, justamente ocasião de nascerem-lhe os filhos, posto que cumpria a finalidade última de procriar. Suas amizades verdadeiras estavam na igreja; os demais colegas e conhecidos o achavam enfadonho - como era possível existir ainda um homem tão casto? Castrado, quem sabe? Riam-se aqueles que dividiam essa opinião. Portanto, apenas os membros da igreja podiam-no entender. E Pedro Paulo evitava assuntos polêmicos, não desejava se aborrecer. Controlava seus instintos primitivos ao paroxismo da beatitude. E se visse um irmão em falta grave, não julgava - perdoava sempre!
    Um dia Pedro Paulo morreu. Estava tomando sopa ao sentir um desconforto, uma dorzinha na cabeça e cair de cara no prato. A mulher desesperou-se; um aneurisma vitimara Pedro Paulo. E quando acordou do outro lado, aturdiu-se sobremaneira: estava no Inferno.
-Mas como pode isso? Eu fui um bom cristão: orava, ia à igreja, cumpria meus deveres, era pontual, fiel, casto, comedido... Como pode? Senhor, por que me abandonaste? - Dizia indignado. No que uma voz cavernosa respondeu:
-Ah, Pedro Paulo, isso aí não valeu de nada! Fizeste tanta coisa e vieste parar no Inferno, e por quê? Porque pecaste em pensamento! É como dizem lá na Terra: por fora bela viola, por dentro pão bolorento! - E o Diabo gargalhou.

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