segunda-feira, 24 de maio de 2010

Sobre Bombas e Refrescos

A tarde estava abafada, mas, àquela hora, inopinada brisa percorreu toda a Confeitaria. Um homem, finamente trajado, mordia com vontade o doce que tinha nas mãos:
-Que tal essa bomba de chocolate? - Perguntou o amigo diante dele.
-Uma maravilha, comeria dez dessas... Até me empanturrar!
-Não digas isso, assim tu enjoarias de vez!
-Qual nada! Adoro bomba de chocolate!
-Está certo.
-Aceita um pedaço?
-Agradeço, mas prefiro esse refresco e a suave brisa que agora sopra...
-Não sabes o que perde!
-Talvez não, me bastam o refresco e a brisa para aliviarem o calor.
-O que seria do homem sem bombas de chocolate? - o homem lambia os dedos.
-Há muitos que sequer conhecem-lhe o sabor!
-Verdade... Infelizes...
-É, infelizes. E a felicidade está na bomba ou no refresco?
-Como assim?
-O refresco alivia o calor. A bomba te proporciona um prazer momentâneo...
-Desculpe, não estou entendendo.
-Eu quero dizer que o refresco serve para aliviar o calor que é sofrimento em uma tarde abafada como essa. A bomba é um luxo supérfluo, uma felicidade momentânea. O alívio do sofrimento é mais desejável que o luxo supérfluo, não acha?
-Tu e tuas idéias, continuo sem entender!
-Há pessoas que acreditam um dia poder encontrar a felicidade plena. Para elas uma bomba pode ser o suficiente e aí querem comer logo dez! A bomba, porém, é efêmera! E quando acabar, vai provocar uma tristeza ainda maior.
-Então não devo comer bombas?
-Deves - respondeu o amigo rindo - sabendo que não será eterna! E que não adianta comprar dez. Porém, o mais desejável é que buscasses o alívio real para o sofrimento!
-Meu caro, não sofro de modo algum.
-Não sofres agora, mas já sofreste, ou um dia sofrerás - disse tomando um gole do refresco.
-Pode ser, ainda hoje perdi um relógio de bolso. Ganhei do meu pai... Era de família...
-E decerto isso o amofinou.
-Sim...
-E aí procuraste esquecer a pequena perda aqui nesta confeitaria.
-De certa forma...
-Isso muda pouco a minha filosofia. Tu vieste buscar alívio para o sofrimento. Contudo, de forma irrefletida. Veja: quando se busca o alívio do sofrimento, sabe que ele não será eterno. Quando o objetivo é fazê-lo simplesmente desaparecer, não se espera que ele retorne. Todavia, ele retorna. E retornará sempre! Portanto, é melhor tomar o refresco consciente de que acabará do que comer uma bomba pensando em outras dez, pouco importando se teu dinheiro não basta ou talvez não haja bombas suficientes para teu prazer. Por isso a tristeza parecerá ainda maior depois!
-O sofrimento retornará...
-Sempre! Não há ser que não sofra e que faça cessar o sofrimento de vez. A felicidade sempiterna é impossível. Alguma coisa faltará que não permita seres completo! Um ser pode dizer-se feliz momentâneamente; incompleto estará, porém.
-Somos todos infelizes, então?
-Não necessariamente. Contudo, não experimentamos a verdadeira felicidade.
-E jamais experimentaremos?
-Não sei. Acredito que há pessoas que se sentem felizes plenamente. Geralmente, são as que não têm razão o bastante para entender a realidade. Sua inconsciência as torna cegas. Isso até pode ser desejável: sofre-se menos quando se ignora a dor!
-Tu poderias me dar um exemplo?
-Vamos a um extremo: alguém que não tenha a mão direita. Pode casar-se, enriquecer, ter uma bela casa... Só que nunca terá a mão novamente. E essa passa a ser a razão de sua felicidade. Ele ilude-se afirmando para si que, diante de tudo, a mão não faz falta. Em verdade, ele se sentiria mais feliz com a mão e chega a desejar trocar tudo por ela! Ele é incompleto, não pela falta da mão, mas por não poder possuir aquilo que tanto quer! E os seres humanos sempre querem mais!
-Eu quero o meu relógio de volta...
-Não te bastam as bombas?
-Não, percebi que as bombas não trarão o relógio de volta...
-Atitude pueril, mas exata! Algo te serás negado na vida, ninguém pode ter tudo e estamos longe de nos contentarmos com o que temos! Mente aquele que se diz pleno, reafirmo. Viver é doloroso!
-Podes me informar as horas?
-Claro! São três e meia...
-Tenho que ir.
-Ah, eu também. Acabou o refresco... Vou ter que enfrentar o calor da rua!

Continua...

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