sábado, 22 de maio de 2010

Grávida Virgem

   Viagens de ônibus, em regiões próximas a grandes cidades, é motivo de risco ou amofinação. Mas também podem ser engraçadas e bem curiosas. Dia desses, uma senhora veio puxar assunto comigo. Um rostinho pequeno e cheio de vincos, algumas sacolas e apenas dois dentes na boca murcha. Parecia ter quase oitenta, apesar dos seus sessenta e seis. Iniciou um palavrório para achincalhar as ex-patroas e depois fez questão de me contar o histórico do terreno que ela comprou. E com detalhes, quase de quantos passos foram dados para registrá-lo - podem imaginar a confusão? O terreno foi obtido das mãos de uma mulher que não era a dona e queria aplicar um golpe, aí tiveram que entrar na justiça e blá, blá, blá... Tudo dito com a veemência de dois dentes - ah, não sabem como dois dentinhos podem ser veementes. Eles fazem aumentar a carga dramática da situação, agravam a tristeza e a penúria, comovem. Dois dentinhos na gengivona vermelha, um do lado do outro na boca que mexia sem parar - a velha falava! Falava e xingava - eita, velha desbocada! Fico pensando se ela não fosse cristã como afirmava. As almas das patroas não podiam descansar: ''aquela vagabunda'', ''a desgraçada'', ''a filha da...''
   O ônibus havia alcançado a orla, eu aproximava-me do meu destino e ela, por fim, me saiu com uma história muito estranha: 
-Eu casei com meu marido em 69. Na época, eu trabalhava numa casa onde tinha que servir três vezes a janta porque moravam dez pessoas lá. Eu saía às dez da noite e ia namorar. Aí, meu filho, às dez da noite, com tudo escuro, eu ia fazer o que, né? Fui expulsa da igreja e minha mãe não aceitava. Então eu casei grávida e virgem! Casei virgem do meu primeiro filho...
   Não consegui entender até hoje. Ou ela inventou um novo método de concepção ou eu estava diante de algum ser divino... Quando levantei para saltar, ela me fez uma última recomendação:
-Está vendo, meu filho? Cuidado quando for namorar - e riu mostrando novamente as gengivas e os dois dentes, apertando bem a carinha murcha. Velha danada!

   Agora chega! Gastei vela com mau defunto! Passemos à outra!

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